DESOLATE: Como e quando surgiu a ideia de criar o Abismika?
DEPRESSIONA: Foi algo muito natural. Eu tocava músicas improvisadas num grupo de DSBM, apenas pra interagir, mas começaram a pedir pra que eu postasse as músicas.
No começo eu apenas tocava violão enquanto cantava, existia demos dessa fase mais simples mas elas se perderam por ai.
A unica faixa dessa época que ainda tenho algum carinho é a "Caindo"
Depois de um tempo fui conhecendo mais pessoas dessa cena e elas foram me ajudando a melhorar
Isso tudo foi entre 2015 e metade de 2016.
DESOLATE: Quais as principais bandas que influenciam ou influenciaram a música do Abismika?
DEPRESSIONA: Psychonaut 4 é com certeza uma das minhas maiores influencias pra compor mas ultimamente a banda KYPCK tem sido bem mais influente.
Sem contar que durante um tempo a cena DSBM e a cena de Cloud Rap e Horrocore andaram meio juntas em alguns períodos.
Varias pessoas da cena DSBM começaram a ter projetos paralelos de cloud rap ou horrorcore.
Então pra englobar tudo eu colocaria uma lista assim:
Psychonaut 4
When Mine Eyes Blacken
Nyktalgia
KYPCK
Semdó
Terror Gang
Mas tem os clássicos que não fazem parte dessa área mais obscura do metal como Black Sabbath, Metallica e Iron Maiden.
Bandas de Progressive Rock bastante especificas como Yes, Mike Oldfield e Focus também me influenciam bastante.
ALAN JOSEPH - A mim, nenhuma banda me influencia a fazer o que faço no Abismika. As bandas que eu ouvia pra ter uma noção de vocal são de estilos distintos. Mas trago essas influências indiretamente, tais ela são: Pray for Mercy, Carnifex, Lamb Of God, Katatonia (Brave Murder Days), Miasthenia, Suicide Silence, Whitechapel.
Pra temática a banda Jardim do Silêncio me influenciou a escrever e a embarcar na aura do Augusto dos Anjos.
DESOLATE: Existe hoje um certo tabu quanto a ouvir DSBM? Até mesmo entre os headbangers em sua maioria tem o DSBM como um estilo digamos toxico pra saúde psicológica por abordar temas delicados como suicídio e depressão.
O que você pensa sobre isso ?
DEPRESSIONA: Eu acho que depende de qual nicho do DSBM estamos falando.
Os temas são muito diversos, varia de transtornos psiquiátricos, efeitos de entorpecentes a um descontentamento com o ambiente urbano
Cada banda, se não for genérica demais, possui seu próprio universo lirico que são as experiências dos membros da banda pois são pessoas falando de algo muito pessoal e subjetivo.
Sobre ser algo toxico, acredito que no começo eu sentia uma certa angustia em escutar algumas bandas, mas com o tempo esse som te acolhe e faz com que você não se sinta sozinho e faz com que você compreende suas dores, pra mim pelo menos é uma forma de escape.
DESOLATE: É difícil bandas brasileiras de metal que pronunciem suas letras em português. Existe um certo tabu na sua opinião em cantar na língua nativa? Ou um receio que não seja tão bem recebido como músicas cantadas em inglês ?
DEPRESSIONA: Eu já cheguei a compor em inglês e na verdade me arrependo disso, atualmente tenho um grande desprezo pela língua inglesa.
Acho que o preconceito deveria ser ao contrario, as bandas que cantam em inglês deveriam questionar sua postura, me sinto culturalmente estuprado pelos ingleses quando me pego falando algum anglicismo
É vergonhoso quando um outro país tem uma hegemonia cultural tão forte em cima do seu país
Ter preconceito da própria linguá é algo absurdo, não importa o gênero musical.
Mas essa é uma opinião que desenvolvi há pouco tempo, compreendo que as pessoas vão continuar compondo em inglês.
Atualmente eu faço apenas o instrumental, faz tempo que não faço uma letra para o Abimsika, a forma de compor do Alan é o que mais me impressiona nele.
A influencia que ele tem de vários escritores nacionais faz o estilo dele ser muito único.
ALAN JOSEPH: Acho que não existe esse tabu, é comum ver bandas de black metal na língua nativa. Principalmente as da linha do Depressive Black Metal.
Creio que a recepção é neutra, o pessoal não costuma da pitaco no idioma.
A gente não tem nenhum receio. Todo o processo das músicas são de forma espontânea, não fazemos nada por pressão.
Eu gosto muito desse resultado em pegar um estilo diferente e colocar nossa identidade nisso.
DESOLATE: Muitas bandas nacionais de DSBM terminaram com o suicídio de seus criadores ao final de seus trabalhos encerrando assim suas atividades de forma trágica como Ricardo Almeida (ROPE) e Leandro Carvalho (Angústia). Apesar do DSBM abordar esses temas sobre suicídio como vocês encaram esse tipo de situação?
ALAN JOSEPH: As pessoas costumam ouvir aquilo que elas vivem. A música popular geralmente aborda viver na farra, chorar por fim de relacionamento, traição, exaltar sexo, ostentação de roupa cara, falar sei o quê que ama deus e toda essa superficialidade. Isso tem um grande público porque a massa vive nisso ou acham que vivem. Então elas vão se identificar e vão se ver nisso.
As bandas que abordam temas mórbidos e subversivos atraem pessoas que se sentem desconexas. Então elas vão se sentir "normais" com tal sonoridade, é como se alguém entendesse você, que você não é uma aberração por sentir isso.
Pra mim a música sempre foi um refúgio, um meio de dispersar e me encontrar. É a música que me ajuda, apesar de meus projetos serem restritos e terem baixo feedback, eles me servem de motivação. Se não fosse pela música eu estaria muito pior agora.
Suicídio é um tema que tá sendo mais debatido. Antes da inclusão digital, os casos de suicídios não eram comentados como nos dias de hoje. A mídia não divulga esses casos então eles ficam arquivados para não servirem de "gatilho" ou a família não quis revelar a causa. Já na net a maioria dos depressivos usam fakes em redes sociais para desabafar ou anunciam seu suicídio numa postagem, outros vão para foros anônimos.... apesar de que não é incomum ver gente falando disso mostrando a cara. A internet diminuiu bastante esse tabu e apesar de ajudar em alguns casos ela serve de gatilho (vide o caso do Yonlu).
Há uma romantização a depressão nos dias de hoje e isso torna mais complicado para quem sente de verdade buscar ajuda.
DEPRESSIONA: Acho que é inevitável ocorrer certas fatalidades num nicho que reúne pessoas doentes, não acho que o DSBM tenha culpa disso, acho que ele mais ajuda a prevenir do que incentivar esses casos.
Eu já tive experiencias com automutilação e suicídio, perdi amigos dentro da cena por conta disso, é algo triste mas que não é totalmente inesperado.
Quando fico muito tempo sem publicar nada em nenhum projeto, recebo mensagens de preocupação pois existe esse receio de que possa ter acontecido algo comigo, pois os assuntos que abordamos são esses.
DESOLATE: Porque o nome Abismika?
DEPRESSIONA: Faz tanto tempo que não lembro, mas foi algo que pegou. Eu precisava de um nome.
Já pensei em mudar, mas as pessoas dizem que o Abismika tinha uma certa essência e então não quis acabar com isso.
Quando comecei a me aventurar em outros gêneros, criei um projeto solo que leva meu pseudônimo e deixei o Abismika como é.
Ao ponto que criou uma identidade alem da minha, algo maior que eu, nasceu como uma One Man Band mas hoje carrega duas essências.
DESOLATE: Qual foi a reação do público com o lançamento do primeiro trabalho?
DEPRESSIONA: Eu lembro que ninguém gostou, nem mesmo o camarada que distribuiu as copias físicas.
O projeto foi rotulado como Raw Black Metal por ser considerado ruim mesmo, pois a intenção não era ser raw Black Metal.
Era o Infortúnio, eu era realmente amador.
Eu ainda amo o resultado pois fiz aquilo mais pra mim do que pra qualquer público, mas realmente não teve nada positivo.
"Ouça Minha Angustia" recebeu elogios de umas poucas pessoas, uma delas foi o Rodrigo Delli que tinha um blog sobre música underground e comentou uma resenha lá.
Foi ele quem me incentivou a continuar fazendo música, acho que sem ele eu não teria continuado.
Depois disso eu evolui bastante e encontrei o Alan. Acho que o encontro com o Alan é mais inicio do Abismika que o inicio real.
DESOLATE: No álbum "Infortúnio" é notável a presença de elementos acústicos como violão e teclado o que não é tão comum já que a maioria das bandas prefere o som bem cru. Qual o objetivo ao usar esses elementos?
DEPRESSIONA: A primeira pergunta que me fez responde isso. É pela falta de equipamentos, no inicio não tinha nem a intenção de postar algo.
Apenas fazia voz e violão. Com o tempo fui me dedicando mais nisso.
Hoje não temos mais uma sonoridade assim!
DESOLATE: Como você descreve a música do Abismika no geral?
ALAN JOSEPH: É um salto entre o tormento e a morte.
Eu quando escrevo imagino como se tivesse escrevendo a última música. Esse desespero de estar tendo seu tempo esgotado e se aproximando do vazio perpétuo é a fonte da atmosfera lírica do Abismika da qual se une ao instrumental do Depressina.
O Abismika é essa união de todo lado ruim da vida. Orquestrado a desgraça humana e seu lado mais degradante.
DEPRESSIONA: Eu tenho muita dificuldade em admirar qualquer coisa que eu faço, quer dizer,e u posso gostar, mas eu duvido muito que as pessoas gostem de qualquer coisa que eu faça.
Pra mim o som do Abismika é resultado daquilo que estou sentindo. Eu nem mixava as músicas direito, apenas tocava tudo em um "take" só e publicava, pois pra mim o que importava era o que eu estava sentindo no momento em que tocava. Com o tempo vi que caprichar um pouco não ia destruir minha integridade.
Isso é sobre o que a música quer passar, como ela soa é diferente pois temos influencias de gêneros muito diferentes.
O Alan gosta muito de post punk por exemplo, ele leva essa influencia pra música.
Ao mesmo tempo eu gosto muito de Blackgaze, Vocaloud, Doom Metal e música Avant Garde no geral
Acaba virando uma certa fusão de elementos variados mas tentamos manter a linha DSBM e Black Metal
Quase sempre na hora de publicar algum trabalho, mudamos o gênero na descrição pois realmente não sabemos como aquilo suou.
Sabemos que ficou triste e que é algo dentro do black metal. Somos bem ecléticos aliás. Eu aprecio estilos musicais de uma levada mais leve tal como shoegaze, dreampop e o pós-punk citado acima. Não curto metal na mesma frequência de antes, depois que fui tendo experiência com cannabis passei a gostar dessas coisas mais brisantes e isso me influenciou na hora de compor.
Fora do metal tive leve influência de Zé Ramalho, acho as letras bem feitas e já achei a ficar fazendo cover dele não-ironicamente com vocal gutural. O Augusto dos Anjos é paraibano assim como o Zé Ramalho, é muito bom ter essa fonte de inspiração de artistas da minha terra.
DESOLATE: Essa pergunta talvez não tenha muito a ver com a entrevista, mas, queria que você falasse de um gênero que não é DSBM, mas que aborda os mesmos temas e que muitos nem sabem que existe, e que no Brasil eu conheço apenas um representante do gênero.
Estou falando do Funeral Doom Metal , vocês curtem? Se sim quais são as bandas que mais gostam?
ALAN JOSEPH: Só Doom:vs e Shape of Despair... não manjo muito.
DEPRESSIONA: KYPCK, uma banda de Doom Metal finlandesa é uma das minhas principais influencias ultimamente. O Alan já até notou essa influencia nas músicas mais recentes.
DESOLATE: Vocês pensam em tocar ao vivo? Tem planos pra isso?
ALAN JOSEPH: Nós já recebemos proposta de tocar ao vivo uma vez em Brasília e até teve músicos predispostos a serem suporte na live. Só que moramos muito longe um do outro, o Depressiona é de Minas Gerais e eu sou da Paraíba. Então não é viável uma apresentação ao vivo.
Contudo o Abismika não é o tipo de banda para se apresentar em público, é algo pra ouvir isolado naqueles dias de fundo do poço. Não sei como seria isso ao vivo, creio que teria uma mudança de clima com uma platéia olhando e tal, não seria mais aquela vibe eremítica.
Enfim, não temos planos no momento, nosso foco está em gravar mais um álbum. Essa possibilidade cabe a consequência do destino.
DESOLATE: Sobre novos trabalhos, tem algum em mente?
ALAN JOSEPH: Tem um álbum em andamento. Tenho em mente que vai ser um trabalho diferenciado do que fizemos antes. Vai marcar uma nova fase.
DESOLATE: Splits é algo bem comum no DSBM. Quais bandas vocês já gravaram splits?
ALAN JOSEPH: Em 2016 teve um split com as bandas Orgiastic Perversion, Frio Insólito (outro projeto do Depressiona), Moonlight Scream, Déšť, Hookrim e o "Disgusting Melancholy" com a banda Indirect Euthanasia. Na real, só da pra fazer esse tipo de coisa quando realmente conhece os membros da bandas. Sempre rola de alguém arregar mesmo depois do confirmado. Aconteceu de uma banda cancelar o split depois de ter feito a capa e ter anunciado o lançamento. Aconteceu que a música do split ficou postada com essa capa sem ter rolado o split, isso pegou mal.
Então exige todo esse compromisso com quem se predispõe
Mas no momento ainda não pensamos nisso. Talvez futuramente.
DEPRESSIONA: Mas já recebemos muitas propostas. Acontece que são propostas prematuras e acaba não indo pra frente.
Eu gosto muito de splits mas é aquela coisa, se a proposta começa sem que os membros dos projetos tenham alguma intimidade, dificilmente aquilo sai do papel.
Já tive vários splits frustados por conta disso
No momento estamos ocupados trabalhando no próximo álbum, mas depois disso a gente pode ver.
DESOLATE: Muito obrigado a vocês pelo tempo e por disponibilizar essa entrevista. O que vocês tem a dizer aos fans e admiradores do Abismika sobre o futuro da banda? Deixe um recado a eles.
ALAN JOSEPH: De nada, o prazer foi nosso. Tamu junto. Dêem feedback nos lançamentos, moçada. Isso ajuda muito. O futuro é incerto, a gente vai seguir até onde der. Até lá resta fazer o máximo de nós em nossas músicas, até porque elas são como nossos restos mortais.
DEPRESSIONA: Obrigado por ouvir, é o que eu sempre digo.
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